Fechadura é o nome dado àquela que guarda de forma quase implacável os segredos e tesouros. Fechadura dureza obstinada. Que ofício intransigente esse: ou é ou não. Seu serviço quer parecer belicoso, mas, tem meio termo: aberta, fechada e entreaberta. Num gesto disfarçado de desmazelo, joga a isca, pesca o peixe. A tinhosa, finge lacre e deixa a brecha, o buraco, a tentação. O elo minúsculo de ligação entre dois mundos, o de lá e o de cá. Urtiga que nos pega, pra curiar.

E, tem nada não, quando fechadura escancara, afrouxa, assentam logo a tranqueta, a corrente, o cadeado. Parentes do mesmo zelo.

Muito me admiro mesmo é daqueles parafusinhos que giraram uma única vez na madeira e acreditam piamente que a vida se encerra ali, com a cabeça enterrada. Alguns se rebelam, saltam e vão girar em outras freguesias.

Mas, a mais notável resignação, desprendimento incalculável, santificante, só percebo nas dobradiças. Uma vida inteira se inclinando, se rendendo, se submetendo às forças rudes ou cuidadosas. É, como se ela, a dobradiça, não existisse. As forças passam e alcançam o mundo de lá. Diferentemente dos parafusos, as dobradiças se mantêm firmes até o final de sua vida útil. A depender dos parafusos que não possuem juízo algum. Dobradiças enferrujadas, rabugentas, razinzas, rangem feito cortes sem anestesia, feridas abertas – dor. Mas, basta um pouco de lubrificante, que ficam como novas.

O bom mesmo seria se o mundo não precisasse de portas.